Vencedor da categoria ‘Melhor filme musical ou comédia’ do Globo de Ouro e favorito ao Oscar, longa de diretor francês com atores de maioria não mexicana desagradou população do país latino.
A aguardada temporada de premiações do cinema começou no último domingo (05/1) com o Globo de Ouro. Vencedor de quatro prêmios, dentre eles ‘Melhor filme musical ou comédia’ e ‘Melhor filme em língua não inglesa’, desbancando o brasileiro Ainda estou aqui, o francês Emilia Perez, que se passa no México, é alvo de críticas de mexicanos ofendidos pela representação.
Com dez indicações, segundo maior número da história do Globo de Ouro, Emilia Pérez foi um dos grandes vencedores da primeira grande premiação de filmes do ano. Apesar do reconhecimento dos críticos que o agraciaram com algumas das principais categorias da noite, o musical em que espanhóis e norte-americanos dão vida a personagens mexicanos não agradou pessoas que de fato moram no país onde ocorre a trama.
Dirigido pelo francês Jacques Audiard, o longaretrata a transição de gênero de uma antiga chefe de cartel, que, mesmo antes em corpo masculino, sempre se viu como mulher. Interpretada pela espanhola Karla Sofía Gascón, a personagem principal conta com o apoio da advogada Rita, na pele da norte-americana Zoë Saldaña, para que o processo seja sigiloso e para que, mais tarde, possa se redimir dos crimes que cometeu.
Não satisfeitos com a falta de representatividade e com estereótipos trazidos por um filme com produção e atuação de maioria norte-americanas, mexicanos aproveitaram que Emilia Pérez foi um dos assuntos mais comentados das redes sociais no domingo para explicitar críticas e descontentamento em relação à produção.
Em arte que circula nas redes sociais, eles enviam mensagem à academia. “O México odeia a ‘piada racista e eurocêntrica’ que é Emilia Pérez. Quase 500 mil mortos e a França decide fazer um musical. Sem mexicanos na equipe ou no elenco.”
Atores e equipe não nativos
Ao receber o prêmio de ‘Melhor filme em língua não inglesa’ no último domingo, Audiard, que não fala inglês nem espanhol, contou com auxílio de tradutora para transmitir discurso inteiramente em francês. Em trecho de entrevista durante o Festival Internacional de Cinema de Morelia, ele conta também com auxílio de tradutora para responder, em francês, que “não estudou muito” sobre o México para fazer o longa. Ele diz que “já sabia um pouco sobre o que tinha que entender” e que precisou de pequenos auxílios no que diz respeito a “detalhes”: “para ver atores, para ver lugares, para a decoração, etc”.
Apesar disso, porém, apenas uma pessoa do elenco é mexicana e o filme foi rodado, em sua maioria, na França. Adriana Paz, que interpreta um dos pares românticos de Emilia, tem papel secundário e não foi escolhida para concorrer em categorias de melhor atriz, como as colegas norte-americanas Saldaña — que venceu a categoria no Globo de Ouro — e Selena Gomez.
Em trecho de outra entrevista que circula nas redes sociais, a diretora de casting esclarece que foi feita “grande busca” por atores para interpretar as personagens mexicanas Emilia, Rita e Jessi (Selena Gomez). “Estávamos abertos”, ela conta. “Queríamos manter (o filme) realmente autêntico, mas, no fim, os atores que melhor encarnaram esses personagens estão bem aqui (referindo-se a Karla, Zoë e Selena). Tivemos que descobrir como ajustar a autenticidade (…) com sotaques e com elas (as atrizes) não sendo necessariamente mexicanas nativas.”
Apesar de os avós de Selena Gomez serem mexicanos, a atriz e cantora afirmou, em entrevista ao Hollywood Reporter, que não é fluente em espanhol e por isso pensou que não conseguiria o papel. Uma vez que ela entrou para o elenco, porém, a personagem interpretada por ela foi adaptada, com a adição de trama que referencia uma família nos Estados Unidos, para que ela pudesse utilizar do inglês em alguns momentos.
No X, Karla Sofía Gascón publicou, no dia 17 de dezembro do ano passado, uma imagem da obra Guernica, do artista espanhol Pablo Picasso, e questionou: “Imagina se Picasso, depois de pintar Guernica, fosse criticado por outros pintores contemporâneos por não ser do País Basco, por se apropriar da dor das vítimas, por não refletir a realidade com figuras totalmente distorcidas, etc.”